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Medo



Medo de andar de avião!


O que eu passei a pensar foi “como alguém que mora numa ilha - eu me refiro à ilha de Manhattan, mas é ilha, pode ter medo de voar?” Eu sei que posso dirigir, mas não vou dirigir até São Paulo, não é? “Vou ficar presa aqui para sempre? Deixo minha família, minha pátria, para ficar ilhada?”


Uma amiga me disse “pelo menos, você tem muita coisa para fazer nesta ilha!” Eu ri e é verdade, mas mesmo assim eu não me contento - quero ir e vir e, de preferência, sem medo!


Eu queria tanto voar! Aliás, uma das minhas primeiras buscas de trabalho quando eu estava quase me formando na faculdade era para ser aeromoça.


Enviei o meu currículo, fui chamada e, negada logo no primeiro passo lá no escritório da companhia aérea em Congonhas, São Paulo. Querem saber qual o motivo? Minha altura!


Eu era baixa para a profissão! Eu não alcançava a altura mínima, e para falar a verdade nem dei muita atenção para isso!


Eu nunca entendi. Não tinha tempo para isso, eu precisava trabalhar, criar minha vida e voar nela! Eu queria viajar, e ter experiência no exterior, falar bem a língua inglesa, mas não necessariamente ser aeromoça.


Passados muitos anos, quando eu me mudei para os EUA, e passei a voar com mais frequência eu via tantas flight attendants (aeromoças) da minha altura, e eu quietinha me questionava “por que aquela companhia aérea brasileira me cortou?” Era só colocar um sapato com um salto, uma plataforma!


Mas sabe que outro dia me dei conta que sou relativamente baixa para colocar a mala de mão no bagageiro confortavelmente. Eu alcanço, mas não é assim fácil não!


Eu voei bastante com meu marido e sozinha muitas e muitas vezes, e eu nunca tinha prestado atenção em turbulência, acho que nem sabia o que era! Voei com minhas filhas, andando pra lá e pra cá no avião, trocando fraldas no banheiro apertado do avião, e nem aí para medo!


Medo de que? Nunca parei para pensar, até que o medo me parou!


Quando as pessoas me perguntavam “How long is the flight to Brazil? (Quanto tempo de voo até o Brasil?)” Minha resposta sempre era Easy! Night flight! Less than 10 hours! (Fácil! Voo noturno! Menos de 10 horas!) You sit, you sleep and you are there! (É só sentar, dormir e você está lá!)” Eu dizia que o mais difícil era o trajeto de aeroporto de um lado para outro do que o voo!


Mas depois de um tempo eu entendi que algumas pessoas poderiam estar me perguntando porque tinham medo de voar, ou de entrar em voos longos!

Bom, voar e ter essa sensação de ter asas é libertador, e aterrorizador ao mesmo tempo - tantos rotas, tantas oportunidades, e a gente não está no controle, pelo menos na hora do voo!


Acredito que ao passar a ser mãe, muda muita coisa na vida da gente! Os medos e as questões da vida são exacerbadas - já que a gente não cuida mais só de si, a gente passa a cuidar da vidinha de um outro ser!


Cuidar e proteger esse ser - no meu caso minha filha, depois mais uma, e depois mais uma, me trouxe muita responsabilidade que um dia me pegou, e foi só depois que a terceira nasceu que eu percebi que os voos tem turbulência sim! A vida tem turbulências!


Foi num voo de Athens para Frankfurt que eu senti o que é turbulência! Lembro bem estar lendo uma revista bem descontraída com meu copo de água, voltando de um cruzeiro só com o meu marido. Coisa que nunca acontecia - viajar sem criança! Tinha sido até estranho sentar no carro a caminho do aeroporto só com minha bolsa, sem a tralha toda de bebês e criança pequena. As meninas tinham ficado em Nova York com minha mãe, que não fala inglês e com a moça que me ajudava na época, falante de espanhol e que também não falava inglês! Sei que as 3 estavam sendo bem cuidadas, mas eu - a mãe, não estava lá na city, eu estava no meio da turbulência! O que passou na minha cabeça no meio do medo foi “minhas filhas não podem ficar sem mãe?”


Foi no balcão para o próximo voo de Frankfurt para New York que eu parei e perguntei:

What happened to that flight? It shook like crazy, I tore pages of my magazine! (O que aconteceu naquele voo? Balançou tudo! Até rasguei páginas da minha revista!) E a resposta sem muito rodeio foi “Tropical Storm.”

(Tempestade Tropical)


Meu marido quis correr para que a gente não perdesse a conexão!


E eu correndo, sem querer, mas correndo e me indagando, Tropical? Storm? Tropical Storm? Que isso? Eu adoro ser tropical! Adoro uma chuva tropical. Minha primeira ideia era a de chuvas de verão no mês de janeiro em São Paulo, chovia e parava, e eu achava gostoso - chuva nas férias de verão! E agora eu com medo de Tropical Storm?

Bobinha, tropical storm é quase que um termo técnico que pode ditar as condições de voo!!


Aquele voo foi um marco para mim! E só sei que senti muito medo no voo seguinte de Frankfurt para New York, minha casa. Eu me lembro que assisti ao filme Smoke com Harvey Keitel, tomei uma taça de vinho tinto, dormi e fiquei confusa com o voo, com o filme que me parecia ser em preto e branco, e toda aquela fumaça no filme, e a partir de então, passei por várias fases do medo de voar!


Depois disso, fiz inúmeros voos! Um dia entrei num avião pequeno de NY para uma pequena cidade em Michigan já com uma lágrima nos olhos! E o olhar de uma outra passageira me entendeu e me acolheu! Voei uma outra vez de Denver para Aspen, no Colorado - avião pequeno, pista curta, e aquele povo todo feliz indo esquiar contando com descontração as histórias das vezes que precisaram voltar para Denver porque a pista não estava visível e não puderam pousar! Eu, ali, querendo que aquele povo fechasse a boca!


Só o meu jeito já dizia tudo!


Só para registar aqui, nem tudo é glamour quando se fala de Aspen!


Tudo isso faz muitos anos! Evitei voos e viagens, mas não parei de voar! O medo faz parte da vida! Então, vamos com medo mesmo!


Sempre tive meu “kit voo”, meia gostosa, escola de dentes, creme de rosto, de mãos, protetor labial, e com o passar do tempo fone de ouvido, e tapa olhos bem escuros; eu só acrescentei um remedinho caso eu queira diminuir aquela ansiedade que não ajuda em nada!


Ah, acrescentei meias elásticas também - não voo sem, recomendo! E, muitos mantras, orações, truques para relaxar, como contar 2000, 1999, 1998, 1997…. Outra dica, ouvir música clássica com o fone de ouvidos e num volume alto! Ah, mais uma dica, hoje em dia, as mudanças climáticas devem ser levadas em conta ao voar também.


Podemos racionalizar o medo neste meu caso, e concentrar nas estáticas de perigo e tal, mas para mim medo é medo.

A vida me surpreendeu com isso tudo, e aqui deixo a pergunta que me já me perguntei muito “para quem sempre gostou da ideia de ser pássaro, de poder voar, como pode ter medo de voar?”


Não tive como não lembrar da música do Belchior, Medo de avião!


"Foi por medo de avião
Que eu segurei
Pela primeira vez a tua mão"


Agora ficou fácil
Todo mundo compreende
aquele toque Beatle "I wanna hold your hand"


Segurei a mão do pai das filhas - meu marido! Agarrei, na verdade!


E seguimos viajando e voando!


Até a próxima!


Rose Sperling

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