Sexta feira final do dia, aceitei o convite para passar um fim de semana numa casa de praia em Itaparica, Ilha localizada em frente a Salvador-BA .
Nos 20 minutos que dispunha para sair em direção ao transporte marítimo, que levava até o local, fiz umas 150 coisas ao mesmo tempo, inventando ainda, de vestir, justamente, uma bermuda que estava no varal, toda amassada, como se somente tivesse aquela.
Para agilizar os procedimentos preparatórios da pequena viagem, correndo muito, coloquei o ferro de passar em cima da minha cama ,desamarrotei a roupa, vesti e parti às pressas, porquanto os amigos já me esperavam para fazermos a travessia.
À noite, então na Ilha, durante uma animada roda de conversa e cantoria recebi um sinal, saído das profundezas do meu ser, como um eco, de que não tinha desligado o ferro.
O que se iniciou como uma mera desconfiança foi ganhando uma força a ponto de se converter na certeza de que realmente ao viajar, mesmo sem querer, tomei as providencias necessárias para deixar um incêndio encaminhado.
Uma angústia me dominou, agravada pelo fato de estar completamente incomunicável em decorrência de uma pane que emudeceu os telefones de Itaparica - em uma época em que ainda éramos capazes de existir sem celulares.
Quando revelei aos amigos o que estava se passando comigo, ninguém levou a sério, até porque tudo era completamente subjetivo, acontecia dentro do meu próprio mundo, sustentando-se apenas, nos alertas da intuição, perfeitamente traduzida por Alceu Valença “a voz do anjo sussurrou no meu ouvido, eu não duvido já escuto os teus sinais“.
Não existe nada de absurdo em não se entender algo como a intuição que é incompreensível, às vezes, até para os que experimentam seus chamados os quais são apenas para sentir, nunca para se explicar.
O problema, é exclusivo daquele que precisa decidir entre considerar o aviso ou não se importar se o fato de deixá-lo passar poderá vir a ser motivo de algum arrependimento.
Insisti em querer retornar a Salvador, no que fui impedida pelos meus amigos, quer pelo adiantado da hora onde não haviam mais lanchas para o percurso, quer por reputarem aquele que fogaréu anunciado por mim não passava de um devaneio.
Lógico, que poderiam até arriscar perder a amiga aqui, todavia não perderam a piada e passaram a me chamar de Nero, o mesmo que botou fogo em Roma.
Como qualquer problema me tira o sono, levei a noite inteira sentada na varanda , porém como nada na vida consegue me roubar o apetite, ataquei um pé de goiabas que estava próximo e, enquanto todos dormiam, eu me empanzinei da fruta, pensando no apartamento em chamas, chegando a imaginar na minha foto estampada na capa dos jornais com a acusação de incêndio criminoso.
Então, sentei na areia de praia, o dia começou a amanhecer descortinando a deslumbrante imagem da cidade dos Poetas( Salvador), visão que me despertou uma saudade gostosa da minha irmã, das nossas almas afins, da capacidade que uma tem de sentir que a outra não está bem, da pessoa que melhor conhece meus desatinos e única que carrega a chave da minha casa, junto com a da sua .
Aquela sensação, pouco a pouco, foi asserenando meu coração, o qual ainda insistiu na ideia da casa em labaredas, porém consciente de que “Inês era morta”, cogitou a hipótese da chegada do Corpo de Bombeiros a tempo de debelar o fogo.
No domingo, ao retornar a Salvador, tão logo a embarcação atracou no cais, sai alucinada pelo Terminal a procura de um Orelhão para falar com minha irmã, ouvido dela o seguinte:
“Poooooi (como ela me chama), você não imagina o que aconteceu. Precisei ir ao Hospital ontem de manhã cedo para ver uma paciente e quando sai senti uma saudade tão grande de você, então resolvi ligar para sua manicure e marquei para fazer as unhas lá em sua casa. Quando abri a porta senti cheiro de queimado. Minha irmãããã, você é avoada demais!!! Deixou o ferro ligado no mínimo, sobre sua cama , já tinha um buraco no colchão, se não chegasse a casa tinha pegado fogo“ .
Tenho para mim que há umas pessoas que dão mais trabalho a Deus do que as outras ou sejam aquelas que fazem as coisas sem noção do que estão fazendo, correm perigos sequer percebendo que estão correndo, sem nenhuma maldade, somente por dispersão , por viverem no mundo da lua.
Ele nunca as perde de vista, sempre atento a livrá-las do mal, PORQUE SÃO APENAS PESSOAS DISTRAÍDAS!
Sou dessas ...
Claudia Lacerda
Comments