Dia 31 de outubro comemoramos o dia de Halloween nos EUA. Eu fiquei pensando e refletindo sobre o significado do Halloween na minha vida, afinal são 25 anos desta data nos Estados Unidos e a maioria desses anos com inúmeras fantasias - umas bonitas outras muito engraçadas, e muita diversão com ou por meio das minhas 3 filhas!
Eu nunca fui louca pelo dia de Halloween, mesmo porque não gosto de decorações com sangue, caveiras e afins, mas acho que pode ser muito divertido sim!
No meu primeiro ano aqui em 1998, fiquei logo sabendo que meu marido amava o Halloween, ele cheio de histórias de festas passadas e adorava ir a Halloween Parade (desfile), que acontece no Village, bairro vizinho do West Village onde ele morava, e onde tive também o meu primeiro endereço em NYC.
Pois bem, lá estava eu bem próxima à area do desfile de Halloween sem ter que fazer muito esforço. Eu estava assim meio deslocada já que Halloween não fazia parte da minha vida até então.
Como Halloween é no dia 31 de outubro e o tempo já começa a esfriar, meu marido me deu uma jaqueta de outono da marca The North Face - isso mesmo essa marca que muitos conhecem em São Paulo e em outros Estados no Brasil agora, mas na época eu não tinha noção, e ele logo percebeu que eu tinha vindo para cá bem despreparada para passar as estações do ano em New York.
Lá fui eu então no dia 31, coloquei minha jaqueta, que tenho até hoje, e umas asinhas de anjo por cima da jaqueta (bonita, né?) e fui para a rua assistir ao desfile. Ele, todo animado, descontraído, sorridente - bem diferente do dia a dia concentrado no trabalho, querendo ver tudo, e eu, assim meio perdida, sem entender a razão dos disfarces e fantasias - ou seja, eu pensava: “como assim um desfile sem música, sem uma boa bateria”?
É isso mesmo, eu estava com a ideia fixa do nosso Carnaval na minha cabeça, porque quando criança eu tinha minhas fantasias de carnaval, e adorava.
Conclusão, desfile de Halloween não tinha nada a ver com a minha lembrança do Carnaval e muito menos com o desfile na escola de samba do Rio da qual participei.
Estou rindo sozinha, porque vocês devem estar pensando: “Você é louca? Claro que uma data não tem nada a ver com a outra”, e é verdade, mas lembrem que em 1998, Halloween não era uma data comemorativa como é hoje com as crianças, em escolas e em certos bairros aí no Brasil. E, aqui, Halloween não se trata de dia das bruxas, e sim, um dia para se fantasiar, usar um disfarce, usar a criatividade e se sentir como se fosse uma outra pessoa ou coisa, e se divertir pelas ruas!
Bom, achei a experiência da parade meio sem graça, acho que foi uma defesa minha, mas achei também intrigante, e guardei minhas impressões comigo. Eu me lembro bem que na volta para casa, com frio, comemos aquela New York slice of pizza (fatia de pizza) segurando na mão, daquele jeito que se você é New Yorker você faz ou já fez um dia.
Pois bem, não gosto! Então, muita gente na rua, frio e comendo e andando ao mesmo tempo não me agradou muito não. Posso até pegar minha fatia de pizza com a mão, mas comer em pé no balcão ou já saindo com o slice na mão pelas ruas não é minha praia desde 1998.
Um ou dois anos não se passaram e um dia preparei um jantar típico e usamos, dentro de casa, roupas típicas lindas no dia de Halloween, o que hoje seria considerado politicamente incorreto. E eu seguia ouvindo do meu marido o quão gostoso Halloween é, e isso e aquilo, e eu achando sem graça, mas cada um com sua cultura e seus costumes, não é mesmo?
Halloween definitivamente não fazia parte da minha vida. Multidão, algazarra, frio, para quê?
Bom, a primeira filha chegou em 2002, e foi aí que eu comecei a entender o valor da tradição e a diversão do Halloween. Comprar a primeira fantasia dela aos 5 meses e sair pelas ruas exibindo minha lady bug (joaninha), foi um dos dias mais gostosos para mim.
Uma emoção que eu desconhecia - um pedacinho de mim, enfeitando minha vida e tirando sorrisos das pessoas. Essa minha filha AMA o Halloween, ela pensa e repensa suas fantasias desde os 3 aninhos - e era muito irreverente nas escolhas das fantasias já naquela idade, e AMA doces desde sempre, ou seja, dia perfeito para ela.
Mais uma filha, e mais uma, imaginem então a quantidade de fantasias acumuladas no decorrer dos anos! Elas não repetiam fantasias, já que a ideia era, e ainda é, se imaginar uma personagem, ou uma outra profissão, ou talvez uma fantasia que retrata uma personalidade diferente da sua, ou se vestir de alguém que está em evidência no ano, ou ainda ser uma coisa como um hot dog, por exemplo!
Os anos foram passando e eu comecei a curtir o Halloween por meio das minhas filhas. Foram anos e anos andando pelas ruas já morando em TriBeCa fazendo o Trick-or-Treating (doçura ou travessura) em lojas, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais - um senso de comunidade e bem-estar incríveis por meio da animação e alegria das crianças e dos pais, muitos também fantasiados e orgulhosos passeando com os filhos, e admirando as decorações que são, de fato, muito legais e criativas. E, um lugar ou outro já servia aquele cookie, e em outros um copinho de vinho para os pais! Afinal, todo mundo quer se divertir!
Como disse antes, este ano eu refletia sobre esta data, uma mistura de emoções.
Estamos no meio de uma guerra, de guerras, na verdade, e conflitos acontecendo inclusive nas ruas de NYC, e eu com minhas filhas bem crescidas me senti meio vazia, o seletor estava no neutro - eu então parei e pensei: “comemorar ou não comemorar”?
Por todas as razões acima. Além dessas razōes, eu me lembrei que no decorrer dos anos, passamos por muitos desafios inesperados.
No dia 29 de outubro de 2012 tivemos o furacão Sandy que atingiu Nova York e Nova Jersey, e que acabou com bairros e várias comunidades, e alagou e muito, a região sul de Manhattan, e na época ficamos em TriBeca sem eletricidade por dias, sem mercadorias nos supermercados e acabamos tendo que sair do bairro e ficar vários dias fora da cidade, inclusive em hotel e em casa de amigos.
Mas isso não me impediu naquele Halloween de 2012, de vestir minhas meninas com suas fantasias tão euforicamente escolhidas, e passear por uma região distante dos estragos do Sandy, na época em Long Island City, Queens (região vizinha de Manhattan) para fazer o tão esperado Trick-or-Treating.
Tudo para trazer uma certa estabilidade, diversão, e sem dúvida, para proteger as meninas daquele momento difícil.
Em 2017, exatamente no dia 31 de outubro em torno das 3h da tarde, horário da saída escolar, tivemos um atentado na porta da escola da minha filha do meio, ela com 13 anos na época estava saindo sozinha da escola.
Isso mesmo, um carro de um terrorista numa avenida importante em Manhattan acabou com a vida de várias pessoas, e eu tinha acabado de atravessar a mesma rua voltando da escola com minha filha mais nova. Mas, apesar do susto e da apreensão, e de um certo desespero, pois minha filha mais velha, com 15 anos na época, já não estudava mais no bairro e estava sozinha pela cidade, eu e muitos outras mães e amigas do prédio tiramos aquela força que mãe tira não sei de onde, abrimos um sorriso e motivamos os filhos a se vestirem com suas fantasias, e também nos fantasiamos.
E unidas, naquela experiência única, partilhamos nossos medos misturados com a alegria de termos nossa amizade.
Ah, e não posso me esquecer do atentado terrorista nas Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, eu não tinha filhos mas naquele ano, o Halloween também foi impactado e perdeu um pouco a graça. E, claro, em 2020 no meio da pandemia, passamos o dia de Halloween, dentro do apartamento, sem fazer o Trick-or-Treating, mas fantasiados de personagens da série Schitt’s Creek. Passamos horas nos distraindo e recriando cenas hilárias da série, e compartilhando com amigos por meio do celular e mídia social. Já é sabido, mas vale lembrar que o humor diminui a tensão!
Para quem nunca ouviu, aqui está uma frase criada em 2021 durante a pandemia que tenta resumir o que é ser New Yorker - New York Tough! (Ser New Yorker é ser forte, resiliente, parte de um grupo entrelaçado por diferenças) e apesar de guerras, atentados terroristas, desastres da natureza, doenças infecciosas e quaisquer outros obstáculos e desafios que sempre afetam os EUA, e principalmente o foco que é NYC, o New Yorker é resiliente e engenhoso!
E eu carregando minha responsabilidade e experiência de vida, e sendo New Yorker, acabei que comemorei o dia de Halloween este ano, mesmo que com aquele apertinho no peito.
Só sei que tirei uma motivação de dentro de mim, e resolvi que iria me fantasiar, e assim fiz! Chamei uma amiga querida com quem passei anos de Halloween em TriBeCa, tomamos um vinho, rimos, relembramos quando as nossas filhas eram pequenas e distribuíamos doces no nosso portão, e curtimos umas horinhas! Depois fiquei na minha porta durante horas distribuindo os doces para as crianças moradoras do prédio, e uma ou outra amiga passou com seus filhos para fazer o Trick-or-Treating!
Este ano então passou um longo filme na minha cabeça, da época em que eu não entendia, ou melhor, não sentia a força do Halloween, dos anos mais do que gostosos e inesquecíveis com minhas filhas pequenas no bairro de TriBeca.
Lembrei-me quando comecei a me interessar pelo Halloween por mim e para mim e comprei uma fantasia em 2015, eu fui a Piper da série Orange is the New Black. Não sei exatamente o porquê, só sei que eu gostava da personagem cheia de estratégias, e acho que foi também porque comecei a ter tempo para mim com as filhas começando a crescer e se tornando um pouquinho independentes. Em 2015, eu tinha acabado de mudar de bairro e fiz uma festinha de Halloween para receber as amiguinhas da minha filha mais nova, enfim, estava começando então um novo capítulo na minha vida.
No ano seguinte, já com amigas brasileiras queridas e animadas no mesmo bairro e várias no mesmo prédio, passamos a curtir o Halloween juntas durante alguns anos. Agora, quase todas essas amigas já estão em outras cidades, estados ou países, e eu com 2 filhas morando nos campus das faculdades, eu me peguei pensativa, olhando para a casa decorada para o Halloween - isso já é um ritual para mim, e no meio dos pensamentos e memórias eu me animava para distribuir os doces para as crianças que tocavam a minha campainha.
Aliás, essa continua sendo a parte mais gostosa para mim - gosto de ver as crianças se divertindo e a criatividade das fantasias, principalmente as bem pequenas com suas fantasias, seus sorrisos, e até a timidez ao dizer: Trick-or-Treat enquanto pegam seu docinho no baldinho. Porém, não posso negar que me divirto ao me fantasiar, entro num mundo enigmático - acho que isso vai crescendo dentro da gente!
Ah, e este ano teve um detalhe muito gostoso, minha filha adolescente se uniu a mim para dar os doces! Ela, sem fantasia, mas com suas orelhinhas de gatinha, pois a festa dela fantasiada já tinha acontecido no final de semana, distribuía os doces com seu lindo sorriso!
A minha conclusão hoje é de que não há solução para os problemas do mundo, mas se conseguirmos no meio do caos abrir um espacinho mental para uma escapada, uma distração que seja, e criarmos novas experiências a gente se fortalece e da conta do exercício de viver!
Até a próxima!
Rose Sperling
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