Quando comecei a ler e escrever - o que aconteceu cedo - fiquei fascinada, e não apenas por descobrir o meu parque de diversões, também por entender o alcance da palavra, a senhora dos super poderes, capaz de emocionar, ferir, curar destruir, construir e tanto mais .
Assim, para a tormenta de meu avô, elegi sua máquina de datilografar manual como meu brinquedo predileto e nele passava horas catando letras, embolando fitas, sonhando com estórias e escrevendo bilhetes a torto e a direito. Ali também comecei com as pequenas causas, predestinando a advogada que viria a ser.
Um dia, ouvi uma conversa sobre um rapaz que necessitava de um internamento em um hospital psiquiátrico, cuja vaga requeria uma indicação de pessoa influente.
Aquele absurdo me tocou, procurei uma maneira de ajuda-lo, no entanto era somente uma menina de uns 8/9 anos que não sabia fazer outra coisa a não ser bilhetes.
Decidi então, fazer um, ou melhor, no caso, uma carta endereçada ao prefeito de uma cidade vizinha pedindo o internamento.
Estava em férias escolares e passei dias escrevendo e apagando para desespero dos meu pais, afinal enquanto as outras garotas embalavam suas bonecas e corriam pelas ruas da pequena cidade do interior da Bahia onde morávamos, estava eu acima e abaixo com um dicionário na mão a procura de novas palavras ou caçando algum injustiçado para defender.
A carta finalmente ficou pronta. Era longa, hilária, sem qualquer pontuação, com uma súplica dramática arrematada por uma sinceridade sem censuras que chamava o destinatário de “político incompetente “ e, ao invés de conseguir a vaga pretendida foi parar, junto comigo , no Concílio Familiar, o qual sentenciou “essa menina não é normal”!!. O feitiço então se virou contra a feiticeira e fui levada ao psiquiatra para saber o que tinha na minha cabeça. Nunca entendi o porquê de tanta agonia, afinal se me diziam que eu não era todo mundo porque queriam que repetisse o comportamento padrão das outras pessoas e não me deixavam ser quem era?
Da consulta com o psiquiatra segui para um eletroencefalograma, exame que me encantou pois tinha o maior e o mais difícil nome que conhecia, até então.
Deitei na maca, colaram, com massa de modelar, muitos fios na minha cabeça e mais uma vez me inebriei porque os bilhetes saiam lá de dentro e eram escritos pelo aparelho em um papel. Como não conseguiram ler o meu desassossegado universo particular, fervilhante na pretensão de, em um momento qualquer, ser transformado em algo escrito, preferiram dar como resultado a inexistência de qualquer anormalidade comigo.
De lá pra cá, sigo obedecendo as leis de trânsito, pagando impostos, garimpando conteúdo humano para contar estórias e anotando tudo, tudo mesmo, inclusive o que parece não fazer qualquer sentido.
Sou Normal? Nunca fui nem quero ser!
Claudia Lacerda
Comments