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Reflexões à luz da insônia




Numa dessas noites de insônia, me peguei tendo recorrentes pensamentos sobre a vida lá fora.


Era um misto de pensamentos com sonhos e, talvez, uma dose de lucidez ainda que distante da realidade que vivia deitado na cama.


A atmosfera que rondava esses meus pensamentos tinha algo como “Drive my car” de Haruki Murakami. Não que eu estivesse revivendo meu passado, tampouco buscando um relacionamento com a minha motorista particular, mas era algo lento, repleto de longos diálogos e, principalmente, olhando a metrópole de dentro de um carro.


É surpreendente “viver” a Avenida Paulista do banco de trás de um automóvel ou do interior das suas próprias memórias. Acredite!


Naquela noite, a Casa das Rosas, o paisagismo de Burle Marx no edifício Pauliceia, o icônico Conjunto Nacional com suas luzes azuis projetadas a partir de um mezanino pulsando jazz e toda essa atmosfera cosmopolita, me deixavam anestesiado.


Meus pensamentos continuaram fervendo dentro dessa cabeça inquieta quando avistei o Riviera, bem no entroncamento da avenida mais emblemática de São Paulo com a Consolação.


Descendo, logo avistei o Copan e, dentro dele, imaginei suas 1.160 histórias, divididas nos seus 32 pavimentos.


O calor era intenso, decidi levantar e tomar um copo d’água.


Para a minha surpresa, todos os copos estavam na máquina de lavar louça, até que decidi pegar uma taça de vinho para que a sede fosse saciada com aquele líquido incolor, insípido e inodoro, características bem diferentes de todos os meus pensamentos naquele instante.


O ato de estar com uma taça de vinho na mão, me fez voltar aos pensamentos do mundo externo e, novamente, viajei dentro de mim, ou melhor, dentro de uma cidade que vivo desde que nasci.


Dessa vez, estava no rooftop do Edifício Esther que abraça a bucólica Praça da República.


Com uma taça na mão, era capaz de sentir os aromas da Cabernet Franc do Pardinho Tinto, ouvindo “Caravan” a composição de Mills, Tizol e Duke Ellington. Como num passe de mágicas ou, talvez, ao decidir soltar a taça na pia da cozinha e me dirigir para o sofá da sala, passei pela estante de livros.


Meu Deus, outra viagem! Sentei-me.


Olhando para cada um daqueles livros enfileirados, pude sentir o cheiro característico dos livros novos, ouvir o quase silencioso ruído das pessoas em busca dos seus autores preferidos e fui transportado para a livraria situada aos pés do edifício Copan.


Foi nela que me sentei e pedi um drink.


Ao prestar mais atenção ao meu redor, avistei Rita Lee conversando com Jô Soares e Zuza Homem de Melo, Ayrton Senna dando uma entrevista para Assis Chateaubriand e Adoniran Barbosa cantarolando sozinho no balcão de cimento queimado daquele agradável café no interior da livraria.


Eram pessoas interessantes, paulistanos e paulistanas, todas elas com alguma íntima relação com a cidade e sem quase alguma relação de contemporaneidade entre si.


Por algumas horas, no meu quarto escuro, na cozinha e na sala de estar iluminada pelas luzes dos postes da cidade, vivi como em “Meia-noite em Paris”.


A diferença é que pude acordar no dia seguinte e fazer esse mesmo trajeto, percorrendo as mesmas ruas e avenidas, vivendo a metrópole.


Parei para jantar no charmoso Esther, “estiquei” até a descolada livraria Megafauna e sua cafeteria na Avenida Ipiranga e ouvi, das caixas de som suspensas, Os Mutantes cantando “Balada do louco” na sua versão original.


Nesse momento, com a mais plena lucidez, me peguei pensando:

“Dizem que sou louco por pensar assim

Se eu sou muito louco por eu ser feliz

Mas louco é quem me diz

E não é feliz, não é feliz”


Eu juro que é melhor, não ser o normal... Viva intensamente!


Música sugerida: Balada do louco, Os Mutantes - clique e ouça.

Vinho sugerido: Pardinho de Beber 2 Tinto


Fernando Palauso



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