Quem diria, hein, eu me sentindo em casa no deserto!
Moramos em Nova York, e meu marido tem família na Califórnia. Há umas semanas fomos para a California para uma sucessão de eventos de família!
Os eventos aconteceriam num deserto! Que roupa usar? Qual a temperatura? O que se tem para fazer por lá? Entre outras perguntas.
Estávamos super animados e começamos toda a preparação e a logística louca para a viagem, já que duas das minhas filhas estão em campus de faculdades em estados diferentes, e sairíamos de Nova York.
Bom, organizamos tudo e partimos!
Alugamos uma casa, reformada, moderna, minimalistamente decorada, no meio do deserto! Quando chegamos na região já estava muito escuro, e tudo meio deserto rsrsrs.
As minha filhas, acostumadas com a vida urbana e luzes acesas o tempo todo, diziam no carro:
- Daddy, where are we? (onde estamos?)
- Where is this house that you rented? (onde fica esta casa alugada?)
- I would never live here! (eu nunca moraria aqui!)
- Who lives here? (quem mora por aqui?)
Eu quieta, mas pensando a mesma coisa. Por outro lado, notei imediatamente uma das maravilhas do mundo naquela escuridão toda sem arranha-céus, a gente poderia ver o céu todo estrelado.
No dia seguinte, acordo com uma vista maravilhosa! O nascer do sol e aquele deserto com cactus e outras plantas da região - uma visão!
Amanhece com uma leve brisa, mas a temperatura sobe e muito!
Tínhamos os eventos com a família, e além disso tínhamos um roteiro nosso. Começamos pelo Joshua Tree National Park, depois Pioneertown, passamos por Yucca Valley e outras áreas!
Foram 3 noites que mais pareceram ser 1 semana inteira, entre passeios e eventos, com trocas de figurinos, já que parecíamos estar em um filme. Como não poderia deixar de ser, a programação foi diferente e super divertida, com dicas do que fazer e vestir o tempo todo! Ou seja, botas e chapéus para lidar com o sol e a terra do deserto. Eu, de sandália, em uma das fotos, mas como meu marido diz: -That’s so you! (Essa é você!) rsrsrs
Sabe quando você acha tudo muito diferente e descontraído, mas não é seu estilo de vida - não faria isso, não vivo assim etc e tal.
Mas aprendi muito com tudo e com o grupo todo de pessoas mais jovens, e californianos, que vivem em uma outra vibração. E olha que já fui para Los Angeles e outros estados e regiões na Califórnia inúmeras vezes, mas desta vez foi diferente, além do lugar todo ser muito incrível e cheio de aventuras, eu senti uma ligação com a minha vida na infância no Brasil, muito antes da minha vinda para os EUA.
Logo que cheguei vi que estava na terra do Woody Woodpecker, lembram do desenho animado do Pica-pau?
Eu cresci assistindo, não perdia um episódio - na verdade, assisti a todos os episódios do desenho. O Pica-pau, que passou por transformaçōes visuais e de personalidade, era malandro, divertido, com um senso de humor gostoso, e nem sempre na defensiva!
Ah, um pássaro, olha só eu admirando a vida de um pássaro novamente. Já estive em tantas cidades pequenas que me lembravam a terra do Pica-pau, mas Pioneertown é mesmo o cenário dos desenhos animados e dos filmes de faroeste.
Pioneertown é uma cidade fundada em 1946 para gravações de filmes de faroeste. Um set do Velho Oeste, onde mais de 50 filmes foram filmados na década de 40. Um lugar muito divertido para se visitar, com estábulos, cadeias, saloons, banco, loja de conveniência, correio, e um restaurante com música ao vivo e um típico barbecue (churrasco). Você caminha pela Mane Street e tem a impressão que a qualquer momento pode ter um duelo, como nos filmes. Pioneertown foi estabelecida como um cenário, mas trata-se de uma pequena cidade onde pessoas também residem.
O Joshua Tree National Park é uma reserva natural com vegetação desértica e formações geológicas incríveis, com grandes matacões, e com animais como coiote e outros. Um lugar também onde se pode fazer escalada livre, e acampamentos em áreas permitidas. O parque todo é a casa dos personagens Coiote e Papa-léguas, lembram-se deles?
Outro desenho que eu adorava assistir, parte mesmo da minha infância no Brasil. O Papa-léguas, pássaro mais ligeiro do mundo, fugia das armadilhas do Coiote, sempre faminto e querendo capturar o Papa-léguas, sem sucesso.
As rochas das armadilhas caíam sobre a cabeça do próprio Coiote que também saía ileso, pronto para uma nova aventura e malandragem! Como eu gostava de assistir e me lembro das cenas muito bem. Muito marcante para mim, e por isso eu senti uma sensação gostosa ao chegar ao parque. Inclusive me intitulei de Papa-léguas há anos em NYC quando tinha as filhas pequenas, e passava por algum aperto aqui ou ali.
Eu me lembro de só dizer, beep beep (sons do Papa-léguas quando ele saía de uma cilada), e me levantar e continuar!
Estou aqui me lembrando e rindo de quando falei para uma mãe, que se tornou amiga, na escola primária das minhas filhas, “menina, eu sou o Papa-léguas, vem tantos desafios, obstáculos, e até armadilhas que a gente não vê e não espera, mas pode cair tudo que não me derruba, beep beep rsrsrs”, e ficou uma piada entre nós duas, porque ela sabe o quão desafiador é viver em NYC, ser mãe, e criar filhos nesse ambiente agitado com tanta diversidade cultura!
Essa amiga vive hoje na Califórnia, e eu sigo aqui em Nova York!
Olha só eu me comparando com o pássaro mais rápido do mundo! Mas é isso, se ficar o bicho pega, o negócio é agir e correr dos perigos - no caso, fugir das armadilhas do Coiote.
Se bem, que muitas vezes eu senti como se as rochas me acertavam, que as armadilhas me pegavam, mas nunca me derrubavam completamente não! Beep beep rsrsrs
Isso tudo me deixou muito perto da minha cidade, Santo André! Isso mesmo, “Santo André, livre terra querida, Forja ardente de amor e trabalho...”
Eu lá no deserto, pensando e fazendo conexões com minha vida na minha cidade. Logo na primeira manhã, eu mandei fotos no grupo da família, e minha irmã responde com um vídeo do YouTube do desenho do Pica-pau bem no deserto, ela me entendeu imediatamente!
Ah, maravilha, um momento tão gostoso de ligação com a minha irmã, e rimos juntas!
A minha avó materna preferia filmes do faroeste a novelas. Bom, quando entro no pequeno museu em Pioneertown, voltei para a sala da minha avó. Foi uma viagem instantânea!
Dentro do pequeno museu, tem posters, cenários de bar, e uma TV ligada com os filmes de faroeste em preto e branco, exatamente como me lembro ao entrar na casa da minha avó materna. Meu coração bateu até mais rápido, e muito feliz! Sorria e ria sozinha. Imediatamente eu mandei um vídeo de dentro do museu, e minha mãe “ah, a vó amava esses filmes”. Isso antes de eu escrever qualquer coisa na minha mensagem para a minha mãe. Ela até se emocionou se lembrando da mãe. Ah, um momento de conexão com minha mãe e minha avó.
De novo, tão simples, tão distante de “casa”, e ao mesmo tempo tão próximo de mim!
Durante a viagem eu repetia a minha alegria com os desenhos animados com o meu marido e filhas, eles até ouviram, mas não sentiam o que sentia. Eles estavam é ficando cansados dos meus papos.
Eu só queria poder compartilhar a minha emoção, e acho que exagerei com eles, afinal a ligação com minhas lembranças é só minha.
Muitas vezes, até hoje, sinto falta de compartilhar experiências com a minha família do Brasil, pois com o passar do tempo os momentos juntos vão diminuindo.
Essa viagem me proporcionou uma aproximação marcante da vida em dois lugares - minha vida nos Estados Unidos e minha vida no Brasil, e isso me encanta e me conecta comigo mesma. Isso tudo me levou a memórias tão maravilhosas da minha infância e até adolescência, porque eu me lembro de chegar da escola, segundo grau na época, almoçar e achar um tempinho para assistir a uns desenhos. Sim, a televisão foi um grande passa tempo na minha vida!
Eu tenho consciência de que o tempo não parou no Brasil, eu sei que as crianças já não assistem mais aos desenhos do Pica-pau ou do Papa-léguas, inclusive minhas meninas não cresceram assistindo a esses desenhos animados nos Estados Unidos.
As referências são outras, mas para mim são lembranças valiosíssimas que dão continuidade à minha existência. Vivemos realidades muito diferentes, como estreitar qualquer ligação? Eu gosto de ligar os pontinhos de experiências da minha vida mesmo que não sejam de forma linear.
Gosto de novas companhias, novos ambientes, novas experiências, mas reconectar me faz muito bem!
Viver o presente, mas jamais apagar minhas memórias prazerosas!
Até a próxima!
Rose Sperling
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