Meu pai faleceu em março de 2021, por esgotamento da vida útil do ser humano.
Estava bem idoso, já cansado, descansou sem sofrimento.
Mais uma vez em minha vida, me senti privilegiado.
Desta vez foi por ter a oportunidade de confortá-lo em seus últimos minutos de vida.
Foi em meus braços que ele nos deixou.
Em um momento fraquejou, eu o abracei e pensei: “pronto pai, pode descansar em paz que seu papel aqui foi muito bem cumprido, pode deixar que vou tomar conta de seu grande amor, sua parceira de 66 anos”.
Acho que o Dr. Furlan partiu em paz.
Ele sempre guardou em seu enorme cofre tudo que lhe parecia importante, desde poucas jóias, a documentos, cartões, muitas chaves, moedas antigas, mas em sua grande maioria, papéis sem nenhum valor.
Em meio a tantos itens que pareciam não guardar segredos, encontrei em um canto registros do que, anos depois, daria origem a este livro de memórias. Um pequeno pacote de papel de cor creme/marrom, castigado pelo tempo, envolto com elásticos já laceados e grudentos, bem antigos.
Meu pai era realmente capaz de guardar coisas surpreendentes.
Mas nada me deixaria mais surpreso do que teria dentro deste pacote.
Parecia morar ali, sufocado no escuro há muitas décadas, algo tão precioso que o tempo jamais conseguiria apagar.
Extremamente curioso, peguei nas mãos com todo cuidado, o elástico arrebentou ao primeiro toque, como quem estivesse louco para expor o que havia ali dentro.
O pacote mal cumpria sua missão de manter seu conteúdo unido. Em seu interior encontrei quase duas dezenas de envelopes com suas bordas listradas de verde e amarelo.
Eram cartas de amor em envelopes aéreos, que minha mãe escrevera para meu pai no período de 9 meses em que serviu como médico, em 1957, as Forças Aéreas Brasileiras no Distrito Federal, Rio de Janeiro.
Ela tinha apenas 19 para 20 anos.
Meu pai sempre falou muito claramente quanto o trabalho era importante para ele, mas tinha uma certa dificuldade em expressar amor, embora nunca tenha sido segredo para ninguém o tamanho de sua paixão por minha mãe.
Apenas tinha sua maneira peculiar de expressar.
Não consigo imaginar uma declaração de amor maior do que guardar por 65 anos
as cartas apaixonadas por ela escrita.
Este ano minha mãe completa 86 anos, decidi unir em um livro essas cartas com fotos para presenteá-la.
Apesar das cartas serem do período de apenas 9 meses, juntei fotos de toda sua vida.
Memórias de criança em que vivia no bairro de Perdizes, registros de sua família em Araguari, seus pais, a Dona Nina e o Seu Leovigildo, viagens, seus filhos e netos, amigos e principalmente, sua história de uma vida ao lado de meu pai.
A minha intenção com esse livro é compartilhar o amor de um pelo outro e celebrar alguns momentos do longo tempo em que estiveram juntos.
Marcos Pacheco
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