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Tramas e Urdiduras



O que o Direito, a terapia, o crochê e o divórcio têm em comum?


De vez em quando essa pergunta me vem como uma inquietação que faz com que eu me sinta fora de compasso. Errei o caminho, penso.


O caminho sendo aquela linha reta que a minha geração acreditou existir à sua frente, o próximo passo, a consequência lógica do rumo da vida. Com sorte (no Brasil, com muita sorte) estudar num bom colégio, fazer cursinho, passar no vestibular, fazer uma faculdade (às vezes uma incompleta, outra completa, com sorte), arranjar um emprego.


Daí é o seguinte. Fica neste emprego, consegue uma promoção e outra e outra e vai ficando lá. Se tiver que trocar, que sejam poucas vezes e que essas mudanças não manchem o seu currículo: precisam ser coerentes, fazer sentido na big picture. Se for para ficar desempregada, que seja pelo menor tempo possível, senão como explicar um vão no meio da linha do tempo da sua vida? Incompetência, titubeio.


Não pode.


Porque com esse zigue zague pela vida, como vamos otimizar nosso tempo, alcançar mais rápido nossos objetivos, sermos eficientes, rápidos e produtivos. Reprodutivos.


Tempo é dinheiro. JK fez caber 50 anos em 5 e Deus criou o universo e todas as coisas em 7 dias. Não perca tempo, pelo amor de deus.


Mas eu dei voltas, entrei e saí de empregos, fiz formações em áreas distintas. Cada passo do meu caminho me levou para outros caminhos. Trabalhei muito tempo como advogada, faço e vendo meu crochê, e sou terapeuta.


Porque minha estrada não é uma linha reta. E hoje eu escrevo como um lembrete de que não é titubeio. É curiosidade, investigação. E para mim isso agora faz sentido.


Porque me encantam os direitos e nossas conquistas civilizatórias, nossa maneira de estarmos agrupados, sendo quem somos no mundo respeitando quem o outro é. Mesmo que ainda tenhamos que suar muito para fazer valer o jogo justo que queremos jogar, a civilização é uma conquista diária, uma construção. Começou há mais ou menos 6 mil anos e ainda não tem previsão de acabar.


Porque o crochê é o manual, o artesanal, a arte, a criatividade, a beleza que contradiz toda a lógica capitalista-produtiva-eficiente-rápida do consumo. Aquilo que você assiste em timelapse na sua timeline demora muitos dias, às vezes semanas, às vezes meses para ficar pronto. Mas quando fica pronto, você tem nas mãos uma peça única, que, bem mais do que um produto, é algo que vai poder atravessar gerações e ser motivo de orgulho imediato e futuro para você.


Porque a terapia é a lente que nos torna menos míopes e clareia os motivos e nosso jeito de jogar como jogamos na vida, e quem sabe fazer alguma coisa boa com isso. Se você entrou com os dois pés em um consultório, real ou virtual, provavelmente não vai mais sair de lá, porque quem faz a terapia não é seu terapeuta. O trabalho é seu, e segue te acompanhando onde você for.


Hoje trabalho principalmente com mulheres, mas também homens, que estão passando por um divórcio. E assim como todo o resto, acredito que este, que é um dos momentos mais importantes da vida de alguém, não pode e nem deve ser encarado como uma mercadoria que se escolhe em uma prateleira.


Não se trata apenas de um dispositivo legal. O direito ao divórcio é um marco no nosso processo civilizatório, uma conquista fundamental que precisa ser olhada fora de uma lógica desastrada que, ao invés de construir consenso, funda seus alicerces no fomento dos conflitos. A terapia é um suporte importante de construção individual dessa nova perspectiva.


Assim como uma peça de crochê, o divórcio precisa ser tecido com paciência, com intenção, com o desejo de fazer o melhor que você puder com aquilo que você tem nas mãos: fio e agulha, ou o desejo de recomeçar.


E, assim como no crochê, cada divórcio, cada jornada, cada caminho é único, e vai ser trilhado com as ferramentas que estão disponíveis para você naquele momento. Assim como no crochê, a beleza de cada trilha está nas cores e texturas que só você pode compor, e na trama que vai permear de sentido as urdiduras da sua vida.


Bia Carvalho

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