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Bafafá em Marrakech



No mercado de Marrakech, enquanto meu marido comprava camisas de times locais, meus olhos não sabiam onde parar, alucinados com a paleta infinita de cores e toda a sorte de quinquilharias capazes de enlouquecer até mesmo aqueles que não se entusiasmam por compras.


Com os olhos indecisos, mas sempre com um apetite inabalável, fui seduzida pelo cheiro dos boxes de doces, verdadeiras preciosidades feitas com frutos secos, pistaches e tantas outras delícias.


Em uma loja, escolhi minhas guloseimas incomodada pela gentileza exagerada do vendedor, que começou a me fazer elogios e propostas indecorosas, como a de ser uma de suas esposas. Indignada, com vontade de jogar todos aqueles doces para cima, respirei pausadamente e, calada, fingi não estar entendendo o que ele dizia, evitando ser presa em um país muçulmano, onde as mulheres não têm vez, quanto mais direito a habeas corpus.


Diante daqueles pecados que a lactose, o glúten e o açúcar nos obrigam a cometer, meu sangue esquentou e, como tem dendê na composição, chegou rapidamente à temperatura de fritura.


Meus Botões cochicharam no meu ouvido que eu iria ficar mal falada se não tomasse uma providência e, assim, decidi responder aos insultos me valendo do idioma que está sempre pronto para resolver qualquer situação, ou seja, o bainanês.


Fiz a pose de açucareiro - os dois braços em forma de asa na cintura - caprichei no arrastado do sotaque e disse em alto e bom som:


- Venha cá, esse menino, eu lhe conheço de onde mesmo? Por acaso, sou sua parenta, comadre de sua mãe, pra você tá caçando audácia comigo? Vá procurar o que fazer, seu desaforado, desentendido. E quer saber de uma coisa? Sorte sua eu não aceitar esse pedido de casamento, porque você ia ver o que é que se faz com um sujeito como você! Tome vergonha na cara, vá procurar o que fazer, tomar um banho, escovar um dente para não estar assim todo mal-amanhado no meio das pessoas!


O assediador horrorizado, sem entender patavinas, em pleno barraco, apareceu o pai dele, atordoado, a indagar: "What is it? What is it?"


Curta e grossa, respondi:

- What? Não se meta não, que é pra não sobrar pra você. Vambora, dê cá logo esses doces que não sou nenhuma desocupada!


Então, o Sr. What, certamente o melhor professor de machismo do filho, querendo me calar, ofereceu-me vários itens de cortesia, botando mais lenha na fogueira.


- Oxe, tá pensando que vou "comer seu reggae" é? Se plante!


Daí tive que mandar ambos, os doces e ele, para um lugar que fica bem pra lá de Marrakech!


No meio do bafafá, meu marido chegou, perdidinho na selva, querendo entender o que estava acontecendo.


Agarrei-o pelo braço e disse:

- Vamos que no caminho lhe explico'.


Minha atitude, por si só, pode ser insignificante ante o assédio, a violência contra mulheres, seja no Marrocos, na Bahia ou mundo afora, todavia, acreditando que ao curar minúsculas feridas um dia poderá se curar o sistema, não poderia perder a oportunidade.


Vale considerar que tanto o Sr. What quanto o filhote dele foram obrigados a ouvir uma mulher, ainda que não entendessem o que ela dizia, e logo eles, tão habituados a decidir destinos e silenciar vozes femininas, empurrando seus doces, camelos, casamentos.


O palavreado serviu para devotar o meu respeito e solidariedade às esposas daqueles dois infelizes, porque, ao contrário de mim, elas sequer tiveram o direito de escolha.


Claudia Lacerda

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