Após uma semana de trabalho fora de Salvador embarco de volta à casa.
Na aeronave, a meu lado, um rapaz de nome Bruno, de 19 anos, numa vídeo chamada com uma garota que dizia não lhe querer mais, inclusive por já estar com outro.
Por mais que tentasse me fazer de planta e me agarrasse ao livro que tinha acabado de adquirir no aeroporto foi impossível não ouvir a tão acalorada DR.
O voo decolou e continuei firme no propósito de devorar o livro. No entanto, Bruno estatelado com o aparelho celular na mão e, talvez reconhecendo a cara de conselheira que ganhei ao nascer (somente a cara), caiu em prantos, sem me dar direito de escolha, logo foi me elegendo ouvinte da sua saga afetiva
O rapaz, soluçando me indagou:
- Como ela (a ex namorada) pode fazer isso comigo?
Enquanto Bruno derramava lágrimas, guardei o livro, ofereci água, um lenço umedecido e mesmo sem nenhuma pretensão me pus a serviço das lamurias de um amor adolescente, até porque, aqui muito prá nós, quando se trata das armadilhas do coração, somos todos uns eternos adolescentes.
Bruno respirou e então me garantiu:
- Nunca mais na minha vida vou me apaixonar. Fechei meu coração.
Hipotequei minha solidariedade a Bruno sem lhe dizer uma só palavra, até porque Caetano cantarolava em meu ouvido - “E o coração / que é soberano e que é senhor/ não cabe na escravidão/não cabe no seu não... "
No entanto, Bruno persistia no delírio das metas intangíveis, afirmando que continuaria namorando, mas só iria viver a parte boa, como na música de um determinado cantor de sertanejo, da qual nunca tinha ouvido nem falar, sabendo dizer apenas se tratar de uma daquelas canções que pregam que a solução para todos os problemas é etílica.
Sem querer jogar gasolina no coração em chamas de Bruno e já que estávamos musicalizando a conversa, falei que a situação dele me lembrava uma música de João Bosco:
"Quem quer viver um amor/mas não quer suas marcas, qualquer cicatriz/A ilusão do amor/Não é risco na areia, é desenho giz"
Mesmo horrorizada, tive que ouvir Bruno dizer que não conhecia João Bosco, até porque não gostava de cantor que falava coisas difíceis.
Compreensível! Perfeitamente compreensível afinal quem disse que Amor, precisa de palavras difíceis?
Agora senti pena de Bruno porquanto se conhecesse João Bosco sofreria do mesmo jeito, mas debruçado numa mesa de bar, sua dor seria mais digna, mais glamourosa, ao ouvir:
“Bate é no champanhe que borbulhava /na sua taça e que borbulha /agora na minha cabeça ..."
A conversa musical se esvaiu e o rapaz me mostrou a foto da mulher que lhe deixou em frangalhos perguntando:
- Não é linda?
Muito embora tivesse achado que a menina era tão pálida que parecia ter saído de um sarcófago, fui gentil e falsa dando um sorriso delicado.
Pousamos em Salvador, Bruno encontra o pai e me apresenta falando que eu o ajudei com sua dor. Então me agradece:
- Pô, muito obrigado TIA! Tchau TIA...
T I A????
O dendê que se mistura a meu sangue e logo entrou em ebulição ...
Como se não bastasse aquele menino atrapalhar minha leitura, desconhecer o João Bosco, namorar a Mortiça Adams, ainda me chamou de Tia!!!
Que atrevimento !!!
Enquanto Conselheira Sentimental do espaço aéreo, fui obrigada a me despedir à altura:
- Vai passar garoto, mas da próxima vez arranje uma menina mais bonitinha! E TIA é a irmã de mamãe, viu?
Claudia Lacerda
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