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Faraó



Estagiei em um escritório de advocacia que tinha um cliente cacauicultor, tão rico quanto bonachão e engraçado. Sempre ia ao escritório carregado de frutas, geléias e outras gostosuras de sua fazenda, as quais distribuia com todos, inclusive com os estagiários a quem também dava gorjetas simpáticas para carregarem "direitinho" os seus processos.


Era uma figura pitoresca, daquelas típicas dos livros de Jorge Amado, a qual falava coisas sem nexo, inclusive muitas asneiras jurídicas, empregava equivocadamente as palavras mudando seu sentido, o que rendia resenhas e muitas risadas, por várias semanas, entre nós, aprendizes do Direito.


Uma sexta-feira, promoveu um almoço às suas custas, extensivo a todos do escritório, inclusive avisando que teria camarão de todos os tipos para todos. Para nós, pobres estudantes, aquele 0800 era um verdadeiro delírio.


No restaurante, os advogados se sentaram à mesa próximos ao cliente e o dono do escritório direcionou os 5 estagiários famintos para o lado oposto da mesa onde ficamos impávidos formando uma espécie de turma do fundão.

Pedidos feitos e, o "Faraó do Chocolate" (era como nós o apelidávamos porque sua fortuna vinha da matéria do prima da delícia) nos deu logo uma advertência dizendo “ vocês podem comer até se entupir”. Começamos a rir e entendemos aquele como o primeiro sinal de que não poderíamos mais nos entreolhar durante o almoço para não perdermos o ponto da risada, afinal o chefe estava presente juntamente com as honras, pompas e circunstâncias.

Chegaram as entradas e o Faraó deu início aos trabalhos comensais, espetando uma azeitona, a qual driblando os seus domínios, subitamente, escapou do garfo e, em um belo salto duplo carpado digno de Daiane dos Santos, foi parar dentro o bolso da sua camisa.


Como se bastasse aquela azeitoninha ter índole de medalhista olímpica, ainda estava embebida em um azeite misturado com ervas e especiarias que salpicaram toda a camisa branca de linho do Faraó, deixando-o temperado.


A cena inusitada, como as que protagonizam as grandes comédias, fez com que desviássemos a atenção do banquete que nos aguardava e desencadeássemos crises múltiplas, compulsivas e descontroladas de riso, sob a censura do dono do escritório que, com a formalidade de sempre, ordenou a retirada da Turma do fundão do almoço.


Após o episódio, fomos duramente advertidos sobre o comportamento perante o cliente e me senti profundamente injustiçada já que, como única mulher entre os estagiários, tive a repreensão mais severa de todas: "Até você Claudia! Uma menina tão responsável!” - foi o que me disse o advogado mor como se as meninas responsáveis não pudessem passar do ponto de vez em quanto, como se não pudessem perder o controle, inclusive do riso.


E por acaso meninas responsáveis não são gente?


Perdemos as gorgetas, as guloseimas da roça, os camarões, porém, apesar de passados mais de 30 anos do fato, quando nós (os ex estagiários) nos encontramos pelos corredores do Judiciário, ainda rimos reverenciando a melhor pontaria que já vimos na vida com o nosso mantra onde um canta: ♪ “ Eu falei Faraoooó e o outro responde , eh Faraó”.♫♫


Claudia Lacerda



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