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OXENTE!



Sexta a noite, após uma semana de trabalho na cidade de São Paulo, sai com duas amigas que estavam comigo no compromisso profissional, para jantarmos e curtirmos a noite da cidade que tanto nos encanta.


Tomamos um taxi e o condutor, sem ainda ter perguntado o nosso destino, entrou numa rua parcialmente interditada em virtude de obras.

Foi o motivo para aquele motorista desandar a esbravejar e dizer a seguinte frase : - A cidade está toda assim, por culpa desses políticos que só servem para fazer obras inacabadas. Se existem dois tipos de gente que tenho vontade de exterminar é político e NORDESTINOOO. Ô loco meu , aquele sotaque é muito irritante.


Detalhe: no taxi havia um trio de forró formado por uma baiana (eu), uma cearense e uma pernambucana, nativas das que falam pelos cotovelos.


Com o coração na mão nos entreolhamos assustadas, inclusive por termos observado que o motorista era um homem jovem, muito forte, que se dizia lutador de jiu-jitsu e destilava o ódio xenofóbico por todos os poros.


Então veio a pergunta, cuja resposta, naquele momento, poderia nos levar direto á máquina de moer carne humana: - Para onde vocês vão?


Além de indignada senti medo, mas ajudada pela providencia divina, lembrei que havia pego o panfleto de um restaurante na portaria do hotel e entreguei ao condutor, sem dizer uma só palavra.


Não tínhamos a menor noção do que se tratava o restaurante do anúncio nem onde era, todavia precisávamos chegar a algum destino e inclusive, até lá, não deveríamos balbuciar qualquer coisa além de monossílabos como hum, ah, oh, ops para não corrermos o risco de sermos deduradas pelo nosso maravilhoso sotaque .


O caminho não foi longo, porém tortuoso, porque tivémos que percorrê-lo assombradas por termos de pagar pelo crime, de natureza geográfica, que cometemos ou seja o de nascer no Nordeste do Brasil e o pior de morrermos com aquele oxente entalado na garganta.

Chegamos a um aconchegante restaurante japonês dos lados do Itaim Bibi, cujo dono, talvez percebendo o quanto estávamos transtornadas veio até nossa mesa e lhe contamos a aflição que havíamos acabado de passar .


O senhorzinho, ouviu calmamente as três nordestinas contando, ao mesmo tempo, o nefasto episódio e, em nome da cidade que dizia ter lhe acolhido há muitos anos, desculpou-se, com seu inconfundível sotaque asiático: - Meninas, São Paulo não é uma cidade, é um mundo inteiro no mesmo lugar.


Eu, que adoro ser chamada de menina, senti como se um ventinho fresco passasse por mim ...


Então nos recomendou um drink de saquê para que pudéssemos relaxar e jantarmos tranquilamente.


Chamou um garçon para trazer a bebida, o qual prontamente declarou: - Oxente, agorinha mesmo!


E ali, em meio ao mundo inteiro, fez-se a hora de nos sentirmos em casa.


Claudia Lacerda



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