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Sobrinho, sem vinho não entra!




Por livre escolha, decidi não ter filhos.


É, mas a sabedoria popular informa que “a quem Deus não deu filhos, o Diabo deu sobrinhos”, razão pela qual meus irmãos me lançaram, sem me dar direito de escolha, a um mar de cores inexistentes em minha paleta, com 05 criaturas( 2 mulheres e 03 homens), cuja faixa etária agora vai dos 07 aos 23 anos, as quais me desafiam a experimentar o amor em uma outra paragem.


Se a única alternativa que me restou foi a de ser Tia, então mergulhei de cabeça e, modéstia a parte, abracei o ofício com tanto primor que estou no mercado de forma completamente institucionalizada, tenho CNPJ, sede e tudo o mais.


Muito embora nunca tenha conseguido colocar, de primeira, a fralda sem trocar os lados, nem ter sido a pessoa mais indicada a lidar com as demandas de um recém nascido, suponho que as crianças, sempre mais inteligentes do que nós, logo perceberam minha vocação para o negócio e foram me deixando à vontade, de maneira que, de lá para cá, quando estamos juntos, a diversão é garantida.

Nunca tive qualquer pretensão em ser a mãe deles, em assumir os encargos ou pagar suas despesas, nunca perdi noites quando estavam doentes ou com os dentes para nascer, não me cabem os conflitos da convivência diária, nem sou o alvo das rebeldias.


Com o alerta ligado, cuidei e cuido para não interferir nos limites ou nas regras de educação imposta pelos pais e quando estão em minha casa não dormem sem escovar os dentes, não podem faltar aulas, no entanto, confesso que permito que comam algumas coisinhas fora do cardápio materno, como por exemplo ovo frito com arroz e ketchup ... Ora bolas, minha casa, minhas regras...Esclareço que todos passam bem apesar do corante vermelho e dos aditivos !


Adoram me zoar, aprontam o tempo inteiro comigo e Tiaaaa é o primeiro nome de que se lembram no perrengue, para fazer bolo de chocolate fora de hora ou para alguma missão chata a que os demais se negam, é claro.


Não consigo resistir, aliás reconheço os poderes hipnóticos deles sobre mim .


Sempre passei longe do que seria uma princesa dos contos de fada e o único lugar que não tinha qualquer pretensão de ir era na Disney, no entanto quando dei por mim estava, com os meninos de minha irmã, jantando no castelo do Magic Kingdom com a Branca de Neve, encantada, a ponto de pedir autógrafo.

Para quem sempre resistiu a animais domésticos em casa, comprar biscoitos e brinquedos para um tal de um cachorro, promovê-lo ao posto de parente (quase mais um sobrinho), até pensando em incluí-lo no testamento como legatário do tapete da sala, é muita transformação não é ?


Sobrinhos, minha gente, sobrinhos...


Quando que largaria meus muito afazeres para correr atrás de figurinhas faltantes a completar o álbum da Copa? Pois é, simplesmente, larguei.


Meu Governo, absolutamente nepotista, tem o mais alto escalão composto por sobrinhos, sendo todos Ministros de Estado.


Trocamos confidências, temos nossos segredos, rolando também uns conselhos, muito mais deles para mim do que de mim para eles e entre tapas e muitos beijos, levo a vantagem da assessoria completa em termos de Iphone, IPad, tatuagens, tendências, redes sociais, personagens da Disney e outras atualidades.


Quero ser, exclusivamente, uma referência de boas memórias, até porque com eles aprendi que o ato de amar, além de imenso também pode ser leve, desobrigado, descomplicado, capaz de fazer cantarolar a música de Zé Ramalho “♪ quem tem amor na vida , tem sorte”.♫


O problema é que, como nasci com a Vênus em Leão, não abro mão de um drama e faço minha chantagenzinha suplicando, frequentemente, que se quiserem me visitar quando eu estiver no asilo, podem ir, mas só os receberei se levarem um vinho, porque se não for para me divertir melhor nem aparecerem, podem me abandonar à minha própria sorte. “


Claudia Lacerda

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