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A louca dos passarinhos



Nunca pensei que fosse falar isso, mas, oficialmente, virei a louca dos passarinhos.


No meu quarto que fica no segundo andar da casa, ao lado da mesa onde escrevo e trabalho, tenho um pequeno terraço com vista para o jardim onde decidi colocar algumas sementes para atrair passarinhos.

 

Há um tempo atrás instalara um desses alimentadores grandes, profissionais, com proteção contra os gulosos esquilos e tudo mais, mas tive minha diversão interrompida por um urso que decidiu passear pela nossa pequena propriedade e atacar as sementes dos pobres bichinhos. Aprendi a lição - ursos sim são atraídos por ração de passarinho (eu não sabia) - e preferi abrir mão da minha distração. Dei adeus ao vem e vai animado das mais diversas espécies aladas e parei de atrair ursos famintos para as proximidades da minha casa.

 

Mas a varanda fica no segundo andar, bem longe do chão, por que não tentar de novo?

 

Me acostumei com o vai e vem desses serzinhos e passei a adorar a companhia deles. Já até estou começando a reconhecer os frequentadores mais assíduos – um passarinho pequeno e fofinho com a cabeça preta e corpo acidentado, os de bico comprido e torso azulado, os de topete triangular de peito laranja – e me divirto com os visitantes esporádicos – os grandes pássaros azuis, o miúdo pica-pau e os cardinais vermelhos, lindos e raros que mais parecem anjo do que pássaro.   

 

Numa tarde fria de um dia desses, meu filho mais novo apareceu por aqui nos meus aposentos e, numa das raras vezes que ainda admite sentar no meu colo, deitou a cabeça em meu ombro e ficou comigo a observar a balbúrdia dos bichinhos. Nunca tinha visto o pássaro de topete com peito laranja e deu seu sorriso divertido e encantador ao avistá-lo!


-Olha mamãe, que maluco esse passarinho!

 

Nessa hora, tive a sensação que o tempo parou e a cena de nós dois ali juntinhos ficou congelada por alguns instantes, como num filme onde o diretor, para enfatizar o efeito dramático do momento, segue a cena em câmera lenta. Me vi diante daqueles momentos mágicos que resolvem aparecer de vez em quando, sem aviso prévio e que formam memórias para toda a vida.

 

Como naquele outro momento acontecido tantos anos antes numa praia da Bahia. Meu filho ainda pequeno, sentadinho no chão entre as minhas pernas, perto de onde as ondinhas morrem na areia. Era um final de tarde e uma brisa agradável - que só os finais de tarde de primavera sabem proporcionar – nos fazia companhia. Não sei quanto tempo passamos ali, juntos, brincando com a água, a areia, olhando o mar. Mas sei que nunca mais esqueci desses instantes e, volta e meia, recorro a elas quando a vida fica difícil e preciso algo para me lembrar que ela ainda é bonita, apesar de tudo.

 

A mágica acontecera novamente: meu filho aninhado no meu colo, sorrindo seu sorriso ainda infantil, segurando na minha mão com a sua que ainda não perdeu a maciez de criança e observando o passarinho de topete cinza e peito laranja.


Me lembro novamente de uma linda passagem – que certamente mencionei outras vezes – do conto Amor, de Clarice Lispector: Depois do jantar, enfim, a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Riam-se de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.

Nesse momento, me senti com a protagonista deste conto de Clarice: fiz de tudo para tentar pegar aquele momento na minha mão, como se fosse uma borboleta, desejando que fosse possível guarda-lo em uma caixinha, para ficar assim bem pertinho de mim, para sempre.

 

PS: enquanto estava revisando este texto, recebi a visita de um tipo inédito de passarinho, de corpo amarelo-acinzentado e asas desenhadas de preto. Tentei tirar uma foto, mas ele, bem mais rápido que eu, fugiu apressado e decidiu que não queria mais voltar. Acho que ele veio para me lembrar que tem coisas na vida que não hão mesmo de voltar e que, portanto, quando aparecem, há que se aproveitar

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