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To Be Mulher



No trem a caminho da cidade, meu coração está inquieto. Já desde ontem, o percebi assim. Tive dificuldade de pegar no sono e acordei bem antes do que poderia para um dia de domingo. Tento escrever, olho sem interesse para a vista lá fora. Nada parece me entreter. Olho ao redor e sinto inveja da moça bonita que lê concentrada e parece em paz. 


Acho que se eu pudesse desejar alguma coisa ultimamente, desejaria ter mais controle sobre os estados de ânimo do meu coração. Ele não anda lá muito estável e me obriga a constantes ajustes de rota ao longo dos dias. Muitas vezes, ao longo de um mesmo dia. Queria puder calibrá-lo segundo as necessidades do momento como se é possível fazer com esses carros modernos que oferecem um modo diferente para cada terreno ou condição climática. 


Não seria bom? Nos dias de festa, colocar no módulo animação e ele automaticamente já entra na vibração da diversão, da fala solta, do riso fácil. Nos dias de ginástica, ativar o módulo força e foco; nos dias de descanso, o modo relax. Nos dias difíceis, o “super gêmeos ativar!”; nos dias em família, o modo paciência. Dias de muito trabalho, módulo criatividade e concentração.  E assim por diante.


Mas como essa máquina não funciona assim, tenho tentado mesmo fazer o contrário: tomo meu pulso logo ao amanhecer, faço o diagnóstico do estado de ânimo e planejo o dia de acordo com o status percebido. O problema é quando o status não combina com o dia que se tem pela frente e o jeito é mesmo improvisar. Lavar o rosto, colocar uma maquiagem, sorrir e tocar em frente, mesmo que, por dentro, tudo esteja em pedaços. 


Tento me apaziguar me lembrando que essa flutuação é normal entre as mulheres. Tem até autoras importantes falando sobre isso, o quanto somos mais produtivas e energizadas em alguns dias do nosso ciclo menstrual e em outros, estamos mais introspectivas e com menos disposição para as coisas do mundo lá fora.


Até ouvi num podcast uma dessas sumidades falando que, idealmente, as mulheres deveriam programar suas agendas de acordo com a fase de seu ciclo menstrual, evitando reuniões e acontecimentos importantes em algumas datas não muito favoráveis. Achei incrível, parece mesmo fazer sentido. O problema é conseguir conciliar essas necessidades com o mundo lá fora que funciona num outro tempo e não abre lá muito espaço para essas coisas de mulher. Uma pena. E também uma carga para todas nós.


Nas últimas semanas, inventei de fazer um dieta em grupo, dessas que você compra o pacote, recebe aulas e materiais de apoio on-line e reza para tudo dar certo no final.


A dieta dura oito semanas e promete ajudar mulheres de mais de quarenta anos a melhorarem a saúde geral – leia-se hormônios, sono, variações de humor, gordura abdominal, fogachos e todas essas coisas lindinhas que teimam em chegar perto de nós conforme os anos vão passando. Também promete ajudar no emagrecimento.


Para meu desespero, a dieta funciona no módulo surpresinha, você só descobre como vai ser sua semana dois dias antes dela começar. Ou seja, você entra no programa totalmente no escuro, sem saber de nada sobre as estratégias ou os alimentos permitidos. Pois é... Lá fui eu e, junto comigo, mais umas boas outras centenas de mulheres. Tenho lá perdido uns quilinhos teimosos que andavam me irritando, o que é bom. Mas confesso que não estou gostando nada da experiencia e, principalmente, do que escuto das minhas outras colegas nos grupos de apoio do programa.  E isso tem me feito pensar se, afinal de contas, essa dieta é um castigo, um mal necessário ou uma benção para aquelas que participam dela. 


A dieta é, no geral, extremamente restrita. Nada de produtos lácteos, nada de alimentos processados durante as duas primeiras semanas – o que significa que ate o chá que você toma tem que ser da folha, natural, não pode ser de saquinho – nada de glúten ou açúcar. Nem batata doce, iogurte natural e queijinho cottage – clássicos elementos de qualquer dieta por aí – são permitidos nesta daqui.


Até o café e retirado durante uma das semanas! Sim, eu sei, tudo tem um porquê e foi pensado de acordo com estudos e uma lógica, o que merece todo meu respeito. Mas o lado humano, tenho que dizer, esse a dieta esqueceu de pensar! Ouvi depoimentos de cortar o coração. Pessoas com dores de cabeça pela falta de cafeína que, ao reclamarem, foram instruídas a não tomarem remédios – para não afetar a dieta – e consoladas com frases do tipo “são só três dias, depois vai passar”. Como assim só três dias? Três dias é muita coisa para quem tem que trabalhar, cuidar da casa e da família, cozinhar dois cardápios diferentes (você está de dieta; sua família, não), pagar as contas, lidar com stress e dissabores dessa vida que não está fácil para ninguém.


Vi mulheres falando em desistirem que estavam com muita dificuldade ate mesmo para achar os ingredientes - grãos, fibras, tofu, kombucha e toda a sorte de alimentos alternativos que não estão disponíveis para muita gente nesse nosso Brasil. “Então faz a kombucha em casa”, foi a sugestão da equipe. Oi??????? E quem hoje tem tempo e disposição de fazer KOMBUCHA em casa? 


Mesmo para mim que estou sem trabalho e numa fase da vida tranquila, de pouco stress e baixa atividade social, a dieta tem sido extremamente desafiadora. Mas fico mesmo pensando como as mulheres que estão começando num novo emprego, enfrentando uma separação, com problemas financeiros e de saúde estão fazendo para dar conta de tanta demanda junta?


Eu já teria enlouquecido e mandado a dieta pastar há muito tempo! Mas muitas lá seguem firmes, tentando, se superando se esforçando, fazendo de tudo para dieta dar certo. Mas sabe o que é pior? Ao invés delas se sentirem vitoriosas e fortes por estarem encarando tamanho desafio apesar de todos os outros da vida, sabe como elas se sentem? Envergonhas, culpadas e fracas! “Tomei uma taça de vinho, comi um pãozinho no café da manha, não resisti ao bolo recém saído do forno”. E isso me entristece profundamente.


Que mulheres tão fortes e corajosas, só consigam enxergar dentro de si derrota e fraqueza, simplesmente porque não resistiram a um mero pãozinho francês! Eu não sou nutricionista e entendo pouquíssimo do assunto. Tampouco estou criticando o método da profissional. Mas fico aqui pensando se não há de se ter um jeito mais delicado e gentil de cuidar de mulheres que estão em uma fase tão desafiadora de suas vidas. 


Seria bom se conseguíssemos juntas acionar o módulo dieta ativar e cortar toda a fome ou vontade de comer durante essas oito semanas. Talvez assim ficasse mais fácil. Como isso não é possível, só me resta dizer que a mim e `as minhas colegas que “eu sinto muito”.


Sinto muito que nos sintamos envergonhadas e humilhadas por tão pouco, ao invés de sentirmos corajosas e orgulhosas por tantos feitos. Que nos sintamos fracas por não resistir a um quitute ao invés de lembrarmos a força imensa que temos dentro de nós para enfrentar tantos desafios, para vencer no trabalho e dentro de casa, apesar das nossas flutuações de humor, das nossas tantas particularidades, das nossas cólicas, dores de cabeça e afins. De darmos tanta importância a um deslize ao invés de focarmos em tantas vitorias. De não conseguirmos olhar para nós mesmas com a gentileza que tentamos sempre olhar para o mundo e para as pessoas que amamos.


Sinto muito que não consigamos acionar nosso módulo amor próprio para cuidarmos de nossa beleza e saúde com um pouco mais delicadeza e carinho.  


Isabel Coutinho

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