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Dias de Neve e Mar



Os dias de neve são um dos meus grandes prazeres de inverno. Lembro logo no começo, quando ainda não estava muito acostumava à presença deles, eu sentia um frio na barriga quando a previsão dizia que no dia seguinte iria nevar. Várias vezes me levantei de madrugada só para ter o prazer de olhar pela janela e confirmar que sim, ela tinha aparecido. E ter a satisfação de voltar para cama quente, feliz de pensar que o dia amanheceria diferente, todo branquinho. 


Gosto da atmosfera de apreensão e excitação que antecede os dias de neve. As crianças começam a monitorar a possibilidade das aulas serem canceladas. As pessoas se dão o luxo de rechear as compras de supermercado com algumas guloseimas extras e até exageram na quantidade extra de mantimentos, caso o estrago seja maior do que o previsto pelos metereologistas. Os caminhões que jogam areia e sal pelas ruas começam a circular e, com seu barulho peculiar, soam como um presságio do acontecimento.   


Quando a neve começa, de fato, a cair, a atmosfera agitada que a precede é substituída por outra totalmente oposta, onde um silêncio peculiar se impõe, fazendo tudo ao redor se calar. Esse tipo de silêncio – que só acontece quando a neve está caindo - é algo que eu nunca tinha experimentado na minha vida nos trópicos. Ouso dizer que não é exatamente um silêncio. É um ruído único, abafado, que isola os outros sons e toca todos os sentidos, não somente a audição. O corpo é envolvido por inteiro por uma pressão suave que abraça e dá a sensação que o corpo é capaz de flutuar. Os flocos de neve formam uma espécie de cobertor felpudo que, ao se espalhar, fazem o mundo soar diferente, inédito, único. Gosto de pensar que é o som da paz.


Os dias de neve permitem uma espécie de descanso que cai bem num estilo de vida onde não existe o “parar de fazer”. A neve exige que tudo diminua a sua velocidade ou até pare por um tempo! E isso faz tão bem... É quase que como uma vontade maior se erguesse sobre o mundo e demandasse quietude, tranquilidade, introspecção, pausa. É isso! Gosto da pausa que a neve impõe, como se algo supremo decretasse feriado em plena terça-feira e todos fossem obrigados a parar. 


Há que se dizer que, após esses instantes de suspensão e paz, o caos certamente se fará presente! Para quem tem filhos pequenos, há o desafio de entretê-los dentro de casa ou leva-los para se entreter na neve, o que parece muito bonito nos filmes, mas pode ser extremamente caótico na prática. Há que vesti-los com roupas especiais, paramentá-los com gorros, luvas e botas além de carregar uma ampla gama de acessórios necessários para o entretenimento ficar completo: pás para cavocar a neve, fôrmas de fazer bolinhas, sleds para deslizar nos morros que se formam. Na volta, crianças e pais exaustos, roupas ensopadas, chão da casa sujo e molhado, comida e lição de casa por fazer. Dizem as más línguas que abrir um vinho pode ajudar muito no decorrer de todo o processo, o que pude, felizmente!, comprovar por diversas ocasiões. 


As ruas ficam difíceis de transitar, as calçadas se enchem de uma gosma marrom, as escadas ficam escorregadias, os halls de entrada se tornam perigosos. O transporte público fica lento, assim como as demais formas de se transitar. Sabem aquele ditado “Depois da tempestade, vem a bonança”? Nos dias de neve, há que se invertê-lo para “Depois da bonança, a tempestade!”. 


Já faz bastante tempo que não neva e as temperaturas crescentes durante o mês de março já dão sinais de que ela talvez não volte mais. O que é bom. Volto a escutar o canto dos passarinhos, o toq toq toq dos pica-paus nas árvores e as lebres correndo soltas no final da tarde pelo jardim. Mas confesso que também me sinto apreensiva quando o tempo anuncia que a vida irá voltar a todo vapor. É hora de engatar a primeira, acelerar e seguir em frente sem o impedimento das tempestades ou a desculpa do frio! Pois o inverno, apesar de duro, também é bom para algumas coisas. Para descansar. Para espreguiçar. Para diminuir o ritmo. Para ter preguiça, comer coisas gostosas e ficar mais em casa. Tudo pode ser desculpado e relevado. Afinal de contas, é inveeeeeerno!  


Já no resto do ano? Voltamos a programação normal de um mundo que gira sem parar; onde não há desculpa ou distração para desacelerar e o convite é sempre continuar, sempre em frente, adiante, com pressa e sem hora para acabar. 


Fico pensando que a natureza sabe o que faz e que há de ter uma razão para que ela nos ofereça quatro estações diferentes, que, por suas características e peculiaridades, convidam a atividades e humores distintos. A única pena é que não conseguimos prestar muita atenção as suas oscilações e, na maior parte das vezes, temos que negar os convites feitos por ela. Na vida moderna, infelizmente, só há espaço para a estação do fazer e acontecer, independente se há chuva, sol ou neve lá fora.


Isabel Coutinho


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