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Passagem




Ontem tive a seguinte conversa com meu filho de onze anos na hora do jantar.


Estávamos na mesa e ele comentou sobre o retorno inesperado de um coleguinha que havia mudado de escola e cidade para morar com o pai e, menos de um mês depois, retornara à antiga escola.


-Filho, o que aconteceu para ele ter voltado da escola?


-O pai dele morreu. Ele postou no Snapchat “Dad, RIP” (“Pai, descanse em paz”). Assim que eu fiquei sabendo, mamãe. E logo depois ele voltou para escola. 


-Mas o que aconteceu, filho? Ele tava doente, foi um acidente?


-Eu não seu bem, mamãe, mas sei que foi self inflicted (auto infligido). 


-Como assim, filho?


-Foi overdose, mamãe. 


Foi assim que fiquei sabendo que o coleguinha do meu filho tinha acabado de perder o pai.


Fiquei extremamente impactada pela notícia. Principalmente diante das circunstâncias do ocorrido. Fiquei pensando no que estava se passando na cabeça do menino e de toda a família. Como é que se faz para processar algo tão bruto? Bem agora que o menino tinha ido morar com o pai! Que tempo mais esquisito para isso acontecer!


Passando e repassando na minha cabeça a conversa que tive com meu filho, tenho que confessar que fiquei impressionada com a serenidade que ele demostrou ao me contar o que tinha acontecido. Já eu, mal consegui dormir durante a noite e passei os últimos dias pensando nisso. 


No dia seguinte, logo pela manhã, recebi uma outra notícia que me deixou também abalada. A passagem do pai de duas grandes amigas. Falar com uma delas ao telefone cortou meu coração e me fez sentir extremamente impotente e perdida. E não consegui fazer outra coisa a não ser me sentar e escrever para ver se consigo elaborar o ocorrido.


Falar sobre morte é algo delicado e pensei e repensei um montão de vezes antes de publicar esse texto aqui. Eu não estou acostumada a falar sobre ela e a explorar a delicadeza de tudo o que orbita ao seu redor.  Dentro da minha família, por exemplo, a morte sempre foi um assunto a ser evitado. Quase algo proibido. Tanto que tenho, até hoje, a sensação que falar sobre ela é sinal mau agouro, algo capaz até de atraí-la para si antes da hora prevista.


Cresci com a sensação de que é melhor mesmo não falar dela, não pensar sobre ela, nem lembrar que ela existe! E ir levando a vida como se ela nunca fosse acontecer. O problema é que, quando ela ousa a chegar, buuuuum! É aquele espanto! Um susto horrível! Um tapa na cara bastante difícil de processar. 


Me dei conta, um tanto chocada, de que não tenho o repertório para lidar com a morte dentro de mim. Muito menos quando essa envolve alguém que tenha contato próximo com meus filhos! Sei participar de festas de aniversário, casamentos e outras datas festivas, mas não sei lidar com esses momentos tamanha dor. O que falar para a pessoa que perdeu um ente tão querido? O que seria adequado fazer? Ligar seria muito invasivo?


Mandar mensagem muito impessoal? Deve-se usar preto no funeral (ou isso é coisa do passado)? Ou melhor usar branco, a cor da paz? A roupa faz alguma diferença nesse momento? Devo ajudar nas decisões práticas? Talvez avisar os conhecidos? Ou será que avisar muita gente só vai sobrecarregar aqueles que estão em seu processo de luto?  O que fazer nos dias após a missa e ritos funerários? Aqueles que seguem vazios, quando todos retomam sua vida e os entes queridos ficam sozinhos com sua dor? E quando se está longe então? Existe algo que se possa fazer?


Como não tenho a resposta para nada disso, exponho essa minha falta de habilidade para lidar com essas ocasiões na esperança de que algo mude e eu me sinta menos à deriva e sem rumo em situações como esta. Sei que existem culturas e religiões que oferecem orientações sólidas para lidar com esses momentos. Peço desculpas de antemão a aqueles que tem a sorte de ter esse suporte, essas reflexões não são para vocês! Mas, definitivamente são para mim e, com sorte, para uns poucos mais leitores que gostariam se ter mais familiaridade com esse evento inevitável que faz parte da vida de todos nós. 


Até escrever sobre isso parece estranho e hesitei bastante, como disse, em me sentar diante do computador para abordar o assunto. Quem é que vai querer ler qualquer coisa sobre um assunto tão deprê? De fato, ao redor de nós, parecem sobrar espaços para compartilharmos as alegrias e coisas boas da vida, mas há muito pouco espaço para os assuntos desconfortáveis. Mas não seria exatamente por isso que deveríamos falar mais sobre eles? Será que trazendo a morte mais para perto é possível evitar que a mente ignorante vague além dela e a transformando em um monstro ainda mais assustador?


Na vida tenho dois medos muito reais. Um deles é de barata. O outro, dos assuntos proibidos, das coisas que não podem ser ditas. Infelizmente, não consigo eliminar as baratas da minha vida (bem que gostaria!). Já em relação aos temas obscuros, como a morte e tantos outros, posso fazer algo a respeito.


Segue então aqui a minha humilde contribuição, na esperança que as palavras possam me ajudar aqui, uma vez mais, com o seu inegável dom de curar... 


Isabel Coutinho


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