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QUE ANO!



Acho que sou um “sujeito de sorte”. Somente acho.


No final daquele ano, tudo transcorria na mais perfeita harmonia.


O trabalho era o mesmo de anos, mas com poucos resultados expressivos. Fisicamente, acabara de fazer meus exames e todos os índices estavam favoráveis. Meus amigos eram os mesmos e as discussões políticas de outrora haviam sido minoradas. Meu filho cursava o primeiro ano universitário. E meus relacionamentos amorosos estavam estáveis.


Sendo muito sincero, não estavam não!


No começo do ano, numa das minhas idas ao Bar Samba, na Vila Madalena, conheci uma mulher interessante. Independente, com 50 anos, divorciada e com filhos formados. Nos encontramos algumas vezes, trocamos algumas conversas, alguns beijos e nada evoluiu.


Pouco tempo depois, no dia em que estive no Instituto Moreira Sales na mostra “Papel, Tinta e Chumbo: fotolivros de ditaduras sul-americanas” tomei um café com uma amiga e começamos a sair como “ficantes”.


Foi a pior coisa que aconteceu. Após nossa primeira noite juntos, concluímos que éramos excelentes amigos e ponto.


Na busca por um relacionamento estável, uma boa companhia, conheci mais duas mulheres, tivemos relações interessantes, mas nada evoluía.


Passei alguns meses recluso e me questionando. Pouco saí de casa, li muito, assisti a alguns filmes, fiz cursos online e trabalhei bastante. E foi nessa ocasião que as coisas pioraram.


Numa manhã qualquer, o porteiro do prédio interfonou para o meu apartamento:

- Olá! Encomenda da Amazon para o Senhor. Disse o funcionário da portaria.


Estava aguardando o teclado novo que havia comprado para o meu computador e, então, rapidamente desci.


Já no piso térreo, peguei minha encomenda e voltei para o elevador de serviço. Nesse instante, me deparo com uma moça carregando alguns pacotes da Amazon. Me dirijo a ela e, despretensiosamente, pergunto:


- Que coincidência, suas encomendas chegaram agora também?

- Sim! Comprei um computador na Amazon. Respondeu ela sorridente.

- Eu comprei um teclado, apenas.

- Legal. Responde ela encerrando a conversa.


Me despedi dela, fechei a porta do elevador e voltei para o meu apartamento. Logo entrei numa videoconferência e dei sequência ao meu rotineiro dia de trabalho.


Algumas horas depois, no final da tarde, o interfone toca e uma voz feminina me pergunta:


- Oi! Você é o morador que comprou o teclado na Amazon?

- Sim, sou eu mesmo! Respondo sem muitos rodeios. Seu computador está funcionando? Pergunto sem muito interesse.

- Então! Por isso estou te ligando. Você tem conhecimento de informática? Pergunta “a moça do elevador”.

- Sim! Precisa de ajuda?

- Você se incomodaria em revisar a instalação que eu mesma fiz? Infelizmente, o computador não liga. Disse ela com uma voz relativamente triste.

- Sim, não há problemas! Quando você gostaria?

- Agora! Disse ela rapidamente.

- Ok! Vou somente encerrar algumas coisas do trabalho e logo subo para o seu apartamento. Notei que mora no décimo oitavo andar, mas qual é o seu apartamento?

- É o 181. Te espero, tá? 

- Ok!


Confesso que achei um pouco estranho, mas por que não ajudar?


Encerrei minhas tarefas profissionais e fui tomar um banho. No chuveiro, comecei a pensar: “Será que ela realmente quer que eu revise a instalação do seu computador?”, “será que ela é solteira?”, “será que ela teria algum outro interesse?”.


Na dúvida, me vesti com roupas que não são aquelas que usamos em casa. Passei meu perfume e subi.


Chegando no seu apartamento, toquei a campainha e logo ela abriu a porta.


O perfume dela me alcançou antes mesmo de eu notar que seu “vestidinho de verão” combinava com o andar descalço dela. A “moça do elevador”, então, me convidou para entrar.


A cortina da sala estava entreaberta e o pôr-do-sol era muito bonito no décimo oitavo andar. Do sounddock Harman Kardon, Jamie Cullum cantava “Next Year”.

- Fique à vontade! Disse ela.

- Obrigado. Onde está o seu computador? Pergunto de forma protocolar.

- Ah! Sim! Está no meu quarto. Vamos lá?


Entramos no quarto dela e, sem dar tempo para que eu pudesse notar que não havia computador nenhum naquele dormitório, ela me puxou pela camiseta, me agarrou e logo nos beijamos.


Todas as suspeitas do banho haviam sido confirmadas.


Sem dizer uma palavra sequer, tampouco nos apresentar, nossos corpos estavam sincronizados, num ritmo intenso e altamente prazeroso.


Mesmo sendo um legítimo virginiano, confesso que não sei quanto tempo a nossa transa durou, mas alguns orgasmos depois, estávamos lado a lado na cama.


Quando a tempestade de adrenalina baixou, o nível de ocitocina regularizou e a pressão arterial estabilizou, resolvi perguntar:

- Qual é o seu nome?


Abruptamente ela responde:

- Por que isso importa? Nós nunca mais nos veremos!


E assim foi.


Transamos mais uma vez, ambos chegaram ao ápice do prazer e ela, delicadamente, sugeriu que eu devesse me vestir e tomar banho no meu apartamento.


Essa havia sido a quarta ou quinta mulher do ano. Nenhum relacionamento estava se concretizando e essa, que nem sei o nome, havia mexido comigo.


Entrei no meu apartamento e me dirigi a Alexa.

- Alexa, toca Belchior!


E do auto-falante ouço:


“Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte,

Porque apesar de muito moço, me sinto são e salvo e forte.

E tenho comigo pensado, Deus é brasileiro e anda do meu lado,

E assim já não posso sofrer no ano passado.

Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro,

Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro!”

Preciso entender que as coisas mudaram. As relações estão diferentes. Preciso entender que as coisas acontecem ao seu tempo, basta acreditar naquilo que eu realmente busco.

No próximo ano, VIVA!

 

Música sugerida: Next Year, Jamie Cullum

Vinho sugerido: Espumante Casa Valduga 130 Anos Rosé Brut


Fernando Palauso

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