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Uma agradável coincidência



Acordei cedo e o sol já dava sinais de que o dia seria quente. Pela janela, a brisa do mar mostrava-se presente por meio das árvores que pouco balançavam, mas ainda assim poderia ser um alento ao corpo descansado e pronto para navegar.


Naquele dia, por alguma razão, ela e eu decidimos prolongar nosso café da manhã, sentados em uma agradável mesa à sombra de um pé de manacá.


Olhei para o lado e um casal, aparentando seus 70 anos, conversava tranquilamente, sem pressa, com vozes suaves, doces e olhares apaixonados.


Forcei meus ouvidos para tentar ouvir o que eles diziam.


- Eu adorei a moqueca de peixe com camarão e aquela farofinha de banana-da-terra era de “cair o queixo”. Expressou a Senhora, com ar de satisfação.


- Eu a vi comendo com tanta alegria, que nem quis interromper! Exclamou o Senhor.


- E eu pensei o mesmo ao ver aqueles tentáculos de polvo repousarem sobre o seu prato!


Rindo deliciosamente leve, a Senhora que portava um vestido florido, combinando com o astral e a magia de Paraty.


- Tudo estava tão lindo, tão especial. Obrigado! Completou a Senhora.


Ambos sorriram e deram-se as mãos.


Como o assunto parecia ser gastronomia, algo que há anos desperta meu interesse e paixão, optei por permanecer à mesa por mais alguns instantes.


Eis que a conversa se desenrolou no sentido daquilo que eu desejava.


- Você há de convir comigo que o café fechou a noite com “chave de ouro”, não? Perguntou risonho aquele homem de cabelos brancos, óculos marfim com lentes arredondadas, com um certo ar intelectual.


- O café estava delicioso e desde 2003, quando estivemos aqui pela primeira vez, sinto que a bebida é parte integrante daquele universo literário onde sentamos e avistamos a rua. Sorriu a Senhora.


Pronto! Um jantar romântico, finalizado com um café numa livraria. É tudo de bom!

Era tanta satisfação nos olhos daquele casal e os assuntos me interessavam tanto que quase tomei coragem e fui em direção à mesa deles para certificar-me dos endereços.


Porém, minha timidez – quando se trata de estranhos – foi maior e decidi seguir rumo ao mar.


O dia foi intenso, navegação agradável, ondas serenas, sol quente e paradas refrescantes num mar calmo e límpido.


Mas, algo perturbava minha cabeça. Não sei dizer se “perturbar” é a melhor palavra, mas algo rondou a minha mente durante todo o dia. Eram perguntas que eu queria ter feito àquele lindo casal, mas não tive a devida coragem.


Estariam eles comemorando bodas de porcelana? Onde eles comeram a tal moqueca? Qual livraria é essa que tem um café tão mágico? Valeria a pena eu visitar naquela minha última noite na cidade?


Assim, já com o barco atracado, descemos em direção à pousada.


De banho tomado e prontos para o jantar, descemos rumo ao charmoso “Banana da Terra”. Sentados, de mãos dadas, fizemos os pedidos.


Os pratos chegaram e anestesiado, ou melhor, sentindo como se estivesse olhando para mim mesmo, mas longe do meu corpo, me dei conta de que não fui capaz de interromper a minha companheira enquanto ela comia sua moqueca.


Ao mesmo tempo, não fui interrompido durante as deliciosas garfadas que dava naqueles suculentos tentáculos de polvo.


Que estranha, mas deliciosa sensação. Era como se as peças começavam a se encaixar.

Então, saímos para caminhar pelas ruas estreitas daquela cidade repleta de arte por todos os lados e paramos para comprar o mais novo livro do Murakami, “Primeira Pessoa do Singular”, na Livraria de Paraty.


Sentados bem à esquina, pedimos uma xícara de café e um chá de hortelã.


O café chegou à minha frente e, a cada gole, eu mergulhava internamente dentro do universo literário. Era como se a bebida, os livros e a magia daquele lugar fosse uma coisa só.


Estava eufórico e mais calmo ao mesmo tempo! Duas sensações antagônicas, mas que faziam sentido para mim.


Ao pagar a conta, como num gesto de agradecimento, comentei com a jovem garçonete que nos atendeu:


- Adorei o café, quero voltar no ano que vem, quando faremos 20 anos de casados.


Ela sorriu e disse:


- Nossa! Ontem à noite, um casal que comemorava seus 20 anos de casados, esteve aqui. Eles disseram que passaram a segunda lua-de-mel deles na cidade e que querem voltar aqui mais vezes também! Sorriu a jovem moça e, demonstrando sua sabedoria acerca da vida, completou:


- Sempre é tempo para ser feliz! Voltem mais vezes.


Música sugerida: Delicatessen, Delicatessen


Vinho sugerido: Pinot Grigio Delle Venezie Campagnola DOC

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