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Viajar é preciso



O gosto pelo viajar é uma daquelas coisas que sempre foi inquestionável e que julguei, nunca iria mudar dentro de mim. Mas depois que me mudei do Brasil e passei a viver nos EUA, o significado do viajar mudou radicalmente para mim.


Na cultura brasileira, viver fora do país tem uma aura glamourosa, um status elevado na percepção das pessoas. Acontece só para os muito sortudos e é sinônimo de prosperidade e felicidade. De fato, viver em outro país é algo precioso e enriquecedor. Mas a crença no mundo maravilhoso fora do Brasil, onde só existem benefícios e constante satisfação, é um tanto perigosa, pois não deixa emergir uma série de sentimentos complexos que surgem numa pessoa quando ela, de repente, não vive mais no país que sempre chamou de seu.


Apesar de considerar um grande privilégio poder viver além das fronteiras conhecidas, me

parece importante lembrar que os efeitos na vida de uma pessoa e sua família de se sentir

estrangeiro de forma permanente não são corriqueiros e merecem reconhecimento e atenção.


Depois de ter me tornado gringa, passei a ansiar mais por momentos de familiaridade e

aconchego do que momentos de estranhamento e novidade. E isso definitivamente mudou a minha relação com o viajar.


Visitar um local desconhecido é uma constante adaptação ao novo, um constante

experimentar, um esforço para entender e se fazer entendido. Um desejo por aprender,

repensar velhos hábitos e velhas idéias. Abrir a cabeça, se deixar levar, se deixar tocar pelo que nos é estranho, estrangeiro, diferente, peculiar. Mas quando a estranheza vira o cotidiano, essa combinação de sentimentos começa a ficar menos atraente. Quando se mora fora, a demanda por flexibilidade, entendimento e adaptação se torna sua rotina diária, quase um exercício de sobrevivência; uma exigência constante capaz de exaurir até mesmo os mais ávidos por uma bela aventura.


Cá estou eu então, numa viagem maravilhosa pelo sudeste asiático e me vejo tomada por estas estranhas constatações e confesso que luto para que elas não venham à tona. “Não seria ingratidão, frescura, loucura até? Pode ser. Mas esses sentimentos têm aparecido de uma forma tão forte, que não consegui ignorar e varrer para debaixo do tapete como diz a

expressão popular.


Confesso que ainda planejo minhas viagens com o mesmo referencial e animação de quem vivia a realidade de se sentir em casa todos os dias. Mas agora, sou diferente. Sou estrangeira e me cansei do diverso. Anseio pelo conforto da língua materna, da comida conhecida, dos cheiros familiares, do entendimento sem esforço, de até mesmo aceitar aquilo que, aos olhos de fora, pareceria inaceitável mas que, por alguma razão esquisita, parece fazer parte daquela paisagem.


Meu padrinho raramente viajava. Gostava mesmo era do conforto da sua casa, da presença de suas coisas, da rotina programada, do lazer previsível dos fins de semana e feriados. Da

comodidade de pertencer e não ter que se explicar; não ter que se ajustar; não ter que ser flexível nem ter que constantemente experimentar. Já o critiquei muito por isso. Hoje entendo a sabedoria por trás dessa sua aparente acomodação.


Continuo achando uma das coisas mais legais da vida pisar em um lugar que nunca fui; conhecer costumes e comportamentos que nunca imaginei. Ver edifícios, combinações de cores e sabores que desafiam ao extremo minha criatividade e percepção. Mas acho cada vez mais incrível quando consigo achar dentro de mim o sentimento, antes tão pouco por mim valorizado, de simplesmente me sentir em casa.


Viajar é preciso. Sempre será. Mas sentir-se em em casa, também.


Isabel Coutinho

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